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Um dia em Portugal

Acordo. Preparo-me para sair para mais um dia de trabalho. Chego à estação dos comboios. Não há comboios, há greve de maquinistas. Já comprei o passe este mês e já vai na 3ª greve do mês, não me descontam os dias em que não posso usar o passe.
Vou de carro, a estrada mesmo em greve não está tão cheia como noutros tempos. A gasolina aumentou pela 50ª vez este ano, torna-se impossível continuar a usar o carro e isso já se nota no fluxo de trânsito.
Estaciono numa rua onde penso não haver parquímetros. Em geral gostam de nos fazer andar vários metros à procura de uma máquina que funcione para depois voltar tudo para trás para colocar o talão no tablier. Enquanto faço isso, uns senhores com ar de poucos amigos, entretêm-se com uma chave de fendas a furar a máquina e a retirar todo o dinheiro que ali se encontra, em plena luz do dia e quase em frente a um policia fardado que se encontra ao serviço de um conhecido supermercado. Questionado se não vai fazer nada, diz não poder, está em serviço privado.
Se eu não tivesse pago o parquímetro já tinha o carro rebocado e a pagar 100 euros para o reaver mas roubar as máquinas do parquímetro não parece ter qualquer penalização.

Dirigio-me ao meu local de trabalho. A empresa recebeu uma notificação com uma penhora da segurança social e os clientes estatais já fazem contas à vida para não pagarem as facturas nos próximos tempos.
Na segurança social está uma fila de vários metros. Não há atendimento especial para empresas. Enquanto ali estou, cidadãos exaltados com os sucessivos enganos da Seg. social e sem receber o dinheiro da baixa, ameaçam a senhora do atendimento. A policia é chamada a intervir. A senhora do atendimento parece estar sob o efeito de medicamentos para dormir. O sistema não funciona mas afinal está tudo pago, é só um engano da Seg social. Um dia passou, não fiz mais nada, era um engano.

Tenho umas injecções para tomar e opto por ir à noite às urgências já que durante o dia foi impossível. No centro de saúde que está vazio pedem-me que leve uma justificação porque só posso ir àquela hora senão começam todos a ir naquele horário. O desemprego de 15% já deve ser tal que agora já tenho que provar que estou a trabalhar para poder ser atendido fora de horas quando o centro de saúde está vazio.
Entretanto a minha isenção das taxas moderadoras acabou mas ninguém do ministério da saúde se deu ao trabalho de me avisar. Eu que peça na internet a isenção que depois recebo uma carta. A carta porém não chega, tenho de pedir que o centro de saúde me passe guias de isenção a cada mês que passa senão tenho de pagar a totalidade da consulta.

A Direcção de finanças escreveu-me. Parece que há 5 anos atrás não preenchi bem a minha declaração de IRS e recebi dinheiro a mais. Acrescentam num contacto telefónico que eu deveria ter reparado nas contas que acompanham o reembolso para perceber que tinha recebido dinheiro a mais. Reclamei, deram-me razão. De facto não havia nada que eu como contribuinte pudesse fazer para detectar o erro. Vão devolver-me os juros que me cobraram. Quando? Resposta : não sabem como proceder à devolução do valor! Ainda está pendente!

Um amigo meu tinha uma empresa de caixilharia. As finanças estão a penhorar os bens por não fazer face aos seus encargos perante as entidades oficiais. Vendas foram feitas a grandes grupos económicos que decidem quando pagam, como pagam senão não há venda. O meu amigo tinha de pagar o IVA a 3 meses mas só recebia 6 ou mais meses. As finanças penhoraram os bens dele. Ao grande grupo económico não aconteceu nada.

Se queremos obter alguma informação de uma entidade pública, temos de ter calma, isso não é assim, têm muito trabalho, ha-de receber informação. Erros são cometidos mas as correcções desses erros não são divulgadas e danos graves podem ser causados.
Perdemos o nosso tempo a resolver assuntos que se deveriam resolver em 5 minutos. Levamos tempo a desfazer o trabalho incorrecto das entidades públicas para podermos assim continuar com a nossa actividade económica. Perdemos tempo quando os transportes reduzem serviços e fazem greves.
Produtividade, é impossível quando toda a nossa energia é dirigida a tentar resolver questões que ficam paradas por incompetência e má vontade dos serviços públicos.
Quando dizem que em Portugal se trabalha mal e só a partir das 10h, não devem estar a referir-se ao sector privado mas também se vive de muito estereotipo. O serviços públicos têm vindo a reduzir a qualidade e o tempo de resposta enquanto os cidadãos vão cada vez pagando mais para esses mesmos serviços.
Se acabassemos com esta forma de trabalhar no Estado, todo o país ganharia fôlego para poder trabalhar.

* as situações aqui descritas são todas reais embora tenham ocorrido a diversos individuos e não apenas a um.


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